O papel do Palácio de Mármore na estratégia da empresa

Texto extraído do artigo Os bailes do Palácio de Mármore na cidade industrial: o Moinho São Jorge e o patrimônio industrial de Santo André (1950-2000) de autoria de Priscila Perazzo, Luís Paulo Bresciani, Carla Sortino Bassi e Maria Cristina Pache Pechtoll, originariamente publicado na revista História e-História (2009), uma publicação organizada com o apoio do Grupo de Pesquisa Arqueologia Histórica da Unicamp.

PERAZZO, P. F.Bresciani, L. P. ; BASSI, C. S. ; PECHTOLL, M. C. P.. Os bailes do Palácio de Mármore na cidade industrial: o Moinho São Jorge e o patrimônio industrial de Santo André (1950-2000). História e-História, v. 00, p. 1, 2009.



Dalila Teles Veras, em texto publicado no Diário do Grande ABC em 1999, comungou de um mesmo questionamento que originou essa pesquisa: “o que levaria essa família de empresários, no início da industrialização local, a construir um requintado salão dentro do prédio do seu moinho, que, por si só, já era uma jóia de arquitetura fabril?” (VERAS, 1999:2).

 

Por meio da análise dos depoimentos e das informações retiradas de reportagens de jornais, algumas possibilidades a respeito do papel do Palácio de Mármore na estratégia da empresa podem ser reveladas.

 

Além das pessoas comuns e das elites locais, o Palácio de Mármore recebeu personalidades ilustres que faziam o salão gravitar do local para o global, como foi em sua inauguração, com a presença de Dag Hammarskjoed, então secretário-geral da ONU  no período de 1953 a 1961. O salão viveu sua época áurea de grande prestígio nos anos de 1960, quando passou a ser incluído no roteiro de visitas do Itamaraty, com recepções para várias personalidades ilustres como, por exemplo, Hailé Selassié, então imperador da Etiópia, em 1964; além dos ex-presidentes João Goulart, Jânio Quadros e José Sarney. Este, na época senador, veio prestigiar Paulo Maluf, em homenagem realizada no Palácio de Mármore (FONSECA, 1987).

 

Como atração internacional, entre os que animavam os eventos do Palácio, merece destaque a presença do cantor americano Ray Charles, que se apresentou acompanhado de coral e orquestra. Além disso, eram freqüentes os bailes de formatura das principais faculdades do País, eventos de projeção nacional, promovidos por terceiros, além de grandiosas recepções, promovidas pela direção do Moinho São Jorge (FONSECA, 1987).

 

O possível motivo para o fechamento do salão, comentado por Joel Ferreira, parece também estar relacionado a questões de influências políticas da família Chammas, o que pode contribuir para responder às inquietações apresentadas acima:


Depois de muito tempo de reinado, não me lembro exatamente qual foi a época, ele foi desativado. Comentou-se “à boca pequena” na ocasião, que foi por decepção política do proprietário do Moinho São Jorge, idealizador do Palácio. Dizia-se que ele ficou “queimado” com o seu mau desempenho numa campanha eletiva, e como era um grande empresário e muito prestigiado por ser proprietário do “melhor salão de bailes e eventos...”, sentindo-se traído resolveu fechar o Palácio (FERREIRA, 199-).



Sobre esta questão, a informação retirada de reportagem diz que Antonio Adib Chammas se elegeu Deputado Federal e foi cassado pelo Presidente Castelo Branco enquanto as denúncias de desvio de trigo eram fortes (ROCHA FILHO, 1994). Em outra reportagem se diz que os integrantes do Grupo Chammas sempre gravitaram em torno do poder e jamais foram punidos pelas acusações de praticar fraudes, negociatas e contrabandear mercadorias, com exceção do Deputado Antonio Adib Chammas. E ainda, a mesma reportagem menciona que Jorge Chammas Neto, filho de Antonio, foi um dos responsáveis pela eleição de Paulo Maluf como governador [[i]].

 

Após seu fechamento em 1978, o salão passou por reforma no final dos anos 1980 e a imprensa noticiou sua reabertura em algumas ocasiões. Inicialmente, em janeiro de 1986, o Palácio de Mármore iria voltar (DGABC, 1986). Outra notícia em maio de 1987, noticiando que o salão passara por completa reforma e deveria ser reinaugurado ainda naquele ano, com a presença do presidente José Sarney. Nesta reportagem, Nilo Sírio, diretor do Moinho, disse que o objetivo da reativação do salão era eminentemente social e filantrópico. Não tinham ambições políticas e nem visavam a qualquer tipo de lucro. Havia intenção de iniciativas culturais como o co-patrocínio de livro sobre história de Utinga, de Ademir Médici e também da criação de um Prêmio Adib Chammas para pessoas da área cultural e científica (FONSECA, 1987).

 

Em dezembro de 1990, o diretor Nilo Sírio afirma que o Moinho esperava uma mudança na realidade econômica do País para poder voltar a abrir o Palácio de Mármore com seu “brilho de nascença” (PEARCE, 1990).

 

Mas, os registros demonstram que, provavelmente, apenas pequenas recepções foram realizadas depois de sua reforma, como pode se observar na nota “O Palácio de Mármore vai voltar...” (DGABC, 1986), na qual há o registro de que “se ouvira dizer” que o salão não mais abrigaria bailes, mas apenas jantares para no máximo 300 pessoas.

 

Pela notícia “Comitiva do Estado faz visita sigilosa”, de 1989, quando esteve presente o futuro governador do Estado de São Paulo, Luís Antonio Fleury Filho:


Almoço de confraternização no Palácio de Mármore. Estiveram presentes João Osvaldo Leiva e Luís Antonio Fleury Filho, secretários de Obras e Segurança Pública do Estado respectivamente; Antonio Carlos Mesquita, ex-secretário do governo; Plínio Dutra Costa, superintendente do Banco do Brasil; Edson Bonan e Floriano Leandrini, representantes do Bando do Estado de São Paulo. A comitiva foi escoltada pela Política Militar de São Paulo e um helicóptero da empresa foi colocado à disposição dos convidados (DGABC, 1989, p.14).



Ainda sobre os relacionamentos com pessoas da esfera de poder verifica-se em reportagem de 1995:


No Banespa, ninguém acredita que a dívida seja paga. O dono da empresa, Jorge Chammas, é amigo do ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB). Foi em um dos seus helicópteros que morreu o deputado Ulysses Guimarães, em 1993, num aparelho comprado com um empréstimo que Chammas obteve na agência do Banespa em Miami, nos EUA. “Antes era impossível cobrar, porque o governo não deixava”, explicou um dos assessores graduados do banco (DGABC, 1995, p.2).


 

Depois disto, se tem notícia de que o Palácio de Mármore foi utilizado em abril de 1999, para a apresentação pública do Projeto Eixo Tamanduatehy, e em 2002, para um jantar com cunho político de apoio a José Genoíno, candidato a governador do Estado pelo Partido dos Trabalhadores.

 

Como não se obteve êxito nas solicitações de entrevistas com a direção do Moinho, para complementar estas informações. O que se pode inferir a partir dos dados obtidos é que a direção da empresa utilizava-se do Palácio de Mármore como forma de conseguir prestígio político e social na elite política e na alta sociedade.


Referências bibliográficas

DGABC. Diário do Grande ABC. “O Palácio de Mármore vai voltar...” Diário do Grande ABC. Santo André, 26 jan. 1986. Reportagem obtida nos arquivos do Diário do Grande ABC.

DGABC. Diário do Grande ABC. “Comitiva do Estado faz visita sigilosa”. Diário do Grande ABC. Santo André, 15 jun. 1989. Reportagem obtida nos arquivos do Diário do Grande ABC.

DGABC. Diário do Grande ABC. “Banespa apreende bens de devedores”. Diário do Grande ABC. Santo André, 23 mar. 1995. Reportagem obtida nos arquivos do Diário do Grande ABC. 

FONSECA, Regina Belletato. “Magia da década de 60 volta ao Palácio de Mármore”. Diário do Grande ABC. Santo André, 8 maio 1987.

PEARCE, Elemar. “Palácio de Mármore volta com brilho”. Diário do Grande ABC – Cultura e Lazer, 3 dez. 1990, p. 1.

VERAS, Dalila Teles. “O moinho e o sonho”. Diário do Grande ABC, Santo André, 21 abr. 1999. Viaverbo. Matéria obtida nos arquivos do Diário do Grande ABC.


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[i] Depoimento de Edésio Del Santono para o Projeto Museu Aberto do Museu da Pessoa.Net. Disponível em: <http://www.museudapessoa.net/MuseuVirtual/hmdepoente/homeDepoente.do?action=ver&key=63&forward=HOME_DEPOENTE_VER_GERAL>. Acesso em: 16 set. 2006.

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